Crédito consignado “sequestra” 40% da renda de aposentada; é preciso regulação efetiva, diz estudo do Idec
Ofertas abusivas, falta de fiscalização e regulação insuficiente do crédito consignado promovem “sequestro de renda” e aprofundam o endividamento de idosos, em especial, aqueles que são beneficiários do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Este diagnóstico faz parte de um estudo de caso realizado pelo GBR (Guia dos Bancos Responsáveis), uma coalizão internacional que, no Brasil, é coordenada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
Para exemplificar o chamado “sequestro de renda”, é apresentado um caso real de uma consumidora idosa, aposentada pelo INSS e endividada que, em condição de anonimato, compartilhou sua história com os técnicos do Idec. Aos 73 anos, ela tem atualmente 40% do seu benefício previdenciário comprometido apenas com parcelas de crédito consignado.
Aposentada por invalidez, ela passou a receber mais um salário mínimo após ficar viúva. Porém, ao ter o valor do crédito consignado descontado direto de sua conta, somando-se ao valor do aluguel e outras contas de prestação continuada, ela vive apenas com R$ 230 reais para gastos com alimentação mensal e medicamentos. Ela relatou à pesquisa que, há pelo menos 15 anos, paga parcelas e faz refinanciamento desta modalidade de crédito.
“Além da precariedade social, idosos são expostos a sucessivas abordagens assediosas na oferta do crédito consignado e a conteúdos de marketing agressivo por parte dos bancos, que se aproveitam das fragilidades desta faixa etária, como a solidão, a saúde e a perda da capacidade de consumo”, explica Ione Amorim, economista e coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Idec, que sistematizou o estudo de caso.
Dividida em quatro partes, a pesquisa busca denunciar a relação direta entre as lacunas regulatórias desta modalidade de crédito e o aprofundamento do endividamento de consumidores hipervulneráveis. Para isso, pesquisadores do Idec se debruçaram sobre a legislação brasileira e fizeram uma análise comparativa com o México – país que possui algumas regras e critérios mais rigorosos para a concessão desta modalidade de crédito.
“O Idec tem a intenção de sensibilizar, informar e expor a relação entre o endividamento e a oferta irresponsável do consignado, que deveria ser utilizado com o intuito de democratizar o acesso ao crédito, mas, ao contrário, tem levado à exclusão financeira a médio/longo prazo. Além disso, o estudo objetiva responsabilizar legisladores e órgãos reguladores e os impactos que a ausência de uma regulação sólida tem na vida das pessoas”, diz Amorim.
O crédito consignado é o mais rentável para os bancos, com significativa adesão de aposentados e pensionistas que recebem até 2 salários mínimos. Ele tem suas parcelas descontadas direto na folha de pagamento e é uma das linhas de crédito pessoal que apresentam condições mais atrativas, como taxas de juros mais acessíveis.
Em contrapartida, o levantamento também mostra que os bancos têm centrado a busca por soluções nas medidas autorregulatórias, mas que elas se mostram insuficientes para combater os abusos relacionados ao consignado e ao endividamento de consumidores. Ainda, o estudo aponta para a necessidade de normas que sejam capazes de adequar as regras existentes com outras propostas trazidas pela recente Lei do Superendividamento.
“Infelizmente, o caso real exemplifica o tamanho do problema e como as lacunas regulatórias existentes podem levar populações hipervulneráveis ao endividamento. Esses aspectos não costumam ser amplamente informados aos consumidores que são vítimas de abusos e que têm acesso ao consignado”, diz Amorim. “Avançar em medidas desta natureza é um imperativo urgente para a prevenção e tratamento do endividamento”, conclui.