Fazendeiro é condenado após morte de trabalhador em situação análoga à escravidão
Um trabalhador submetido a condições análogas à escravidão morreu enquanto derrubava mata em uma fazenda da região de Colniza, noroeste de Mato Grosso. O caso, que gerou comoção na cidade e deixou uma família inteira em dificuldades, foi julgado pela Vara do Trabalho de Juína, que condenou o fazendeiro a pagar 100 mil reais de indenização por danos morais coletivos.
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso (MPT). O órgão destacou que a vítima não tinha nenhum vínculo empregatício formal e que o local do acidente não possuía condições mínimas de segurança, higiene e conforto para os trabalhadores.
Em depoimento na justiça, colegas de trabalho da vítima relataram a situação degradante em que viviam: o alojamento era uma barraca de madeira, coberta de lonas, redes e tarimbas. E, quando utilizavam a motosserra da empresa, como um “empréstimo”, o pagamento era menor.
Morte
O acidente aconteceu no meio da mata, por volta das 8h da manhã. Após a tragédia, os colegas foram ao alojamento buscar uma rede para amarrar em um cipó e improvisar o transporte. Foram 3,5 km a pé, carregando o colega ferido, até chegarem em uma estrada, por volta das 14h.
Com ajuda de uma caminhonete emprestada, a vítima foi levada ao município de Rondolândia (MT) e depois transferida para o Hospital de Urgência e Emergência Regional de Cacoal (RO), onde morreu no dia seguinte.
Após a morte do trabalhador, o dono da fazenda – um médico conhecido na região – pagou o translado do corpo e entregou 100 reais à viúva durante o velório. No entanto, apesar de ter prometido à família da vítima, não ofereceu nenhum outro apoio e nem realizou a Comunicação do Acidente de Trabalho (CAT), como determina a legislação. Restou uma dívida de 1,5 mil reais que está sendo cobrada pela funerária.
Após a morte, a mulher e as filhas passaram por muitas dificuldades financeiras, em especial por conta de aluguel, alimento e de remédios para a filha mais velha, que adoeceu.
Para os fiscais do trabalho que foram investigar o acidente, o fazendeiro disse que não iria ajudar mais a família, já que receberam doações da igreja local. “Não tenho nada com isso, não contratei ninguém e respondo quando entrar em juízo”, disse, conforme registrado no relatório juntado ao processo.
Este não foi o único acidente de trabalho com morte na fazenda. Na Vara do Trabalho de Rolim de Moura (RO) foi ajuizada uma reclamação trabalhista promovida pela viúva de outro trabalhador em face do mesmo empregador.
Uma das testemunhas no processo que tramita em Mato Grosso, colega de trabalho da vítima, contou que ele próprio já havia sofrido um acidente de trabalho e que se aproveitou da situação para fugir da fazenda, pegando carona com o primeiro caminhão que apareceu.
Dano moral
Ao julgar o caso, o juiz Adriano Romero, titular da Vara de Juína, explicou que ficou comprovado que o dono da fazenda utilizava uma outra pessoa, figura conhecida como gato, uma espécie de intermediário entre o fazendeiro e os trabalhadores, para ocultar as relações de emprego. Além disso, como o empregador não compareceu na audiência inicial e nem apresentou justificativa. Tudo o que o MPT alegou inicialmente foi presumido como verdadeiro. “Pensou que poderia fugir das garras fiscalizatórias do estado e da própria verdade coisificante que impunha aos seus empregados”, ponderou o magistrado em sua decisão.
O prontuário médico também comprovou que o trabalhador morreu em razão dos ferimentos. Além disso, as provas mostraram que o acidente poderia ter sido evitado com treinamento e fiscalização. “A situação torna-se mais grave e bizarra quando um profissional da saúde, educado e treinado para cuidar do ser humano e salvar vidas, foi capaz de jogar os empregados ao léu, à sorte de animais peçonhentos, das intempéries climáticas do noroeste do Estado de Mato Grosso, da fome e sede, como se fossem bichos ou coisas inanimadas que se tira e põe onde se quer, para tão somente atingir os anseios lucrativos buscados”.
Segundo o magistrado, manter trabalhadores em condição análoga à escravidão afeta toda a sociedade local. Por isso, atendeu o pedido do MPT e condenou o fazendeiro a pagar indenização por dano moral coletivo.
Obrigações de fazer
Para o juiz Adriano Romero, fechar os olhos para a tragédia seria apoiar a prática criminosa e ser conivente com as condições de trabalho encontradas na fazenda. Desse modo, determinou que o empregador cumpra diversas obrigações para poder contratar novos trabalhadores.
Entre elas, não contratar nenhum empregado sem o devido registro em livro, ficha ou sistema eletrônico e anotação da Carteira de Trabalho no prazo de 48 horas. O dono da fazenda deve ainda fornecer EPIs, implementar um programa de gestão de segurança, submeter os trabalhadores a exames médicos e providenciar um ambiente adequado no alojamento e refeitório dos trabalhadores. Cabe recurso da decisão.