Prefeitura é condenada a indenizar guarda municipal por treinamento abusivo
A 4ª Câmara do TRT-15 manteve decisão do juízo da Vara do Trabalho de Caçapava, que condenou a Prefeitura da cidade a pagar indenização de R$ 15 mil ao reclamante, um servidor da Guarda Municipal, por ter sofrido assédio moral de seu superior durante treinamentos. A Câmara também determinou ao juízo de origem que intime o prefeito da cidade para que, entre outras medidas, faça cessar os treinamentos inadequados, perigosos e aviltantes da GM, e ainda responsabilizou o agente público infrator quanto ao ressarcimento ao erário, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição. A medida, segundo afirmou o colegiado, teve por objetivo dar efetividade, celeridade e utilidade à decisão.
Segundo consta do processo, movido por um integrante da GM, houve excessos praticados nos treinamentos funcionais, tais como “pagar flexões e polichinelos ordenados” e “manter-se estático por minutos”. Ele afirmou que a punição era aplicada a todos, pelo “seu superior hierárquico, inspetor-geral, quando um dos guardas estivesse em desacordo com os critérios dele – por exemplo, ‘estar com boné virado, estar atrasado’ –, podendo chegar a 40 flexões e 100 polichinelos”. Além disso, “o inspetor-geral soltava bombas do tipo usado em festas juninas para assustar os que participavam do treinamento e espirrava ‘spray’ de pimenta nos seus olhos, explodia granada tríplice, causando ardência, irritação da garganta e das mucosas, tosse etc., impondo a todos em treinamento caminhar em círculo e cantar o Hino Nacional durante o efeito do artefato”.
O Município negou o caráter punitivo dos exercícios físicos, que eram, segundo sua defesa, “rotineiros”, “aplicados a todos os guardas no início do turno” e “nunca ultrapassavam 15 minutos”. A defesa ressaltou ainda a não obrigatoriedade de participação nessas “punições” e garantiu que “nos cursos de formação da Guarda Municipal foram realizadas simulações de situações reais, a fim de melhor preparar, física e psicologicamente, os guardas municipais, a exercer suas atribuições em iminente e eventual risco”.
Para o relator do acórdão, desembargador Dagoberto Nishina, “colocando os pingos nos jotas”, o reclamante delimitou os fatos que considerou ofensivos: “Pagar flexões e manter-se estático quando um dos integrantes do grupo desagradava o inspetor-geral, levar sustos quando seu superior soltava bombas, sofrer danos quando atingido por gás pimenta e granada tríplice”.
O acórdão ressaltou que, com base em laudo elaborado pela perícia, especificamente circunscrito à controvérsia, “os guardas em treinamento foram colocados numa sala, na qual jogaram bastante gás de pimenta através de ‘spray’, foi solicitado que escrevessem uma frase qualquer para permanecerem na sala e depois foram autorizados a sair, provocando irritação nos olhos, tosse, ânsia, falta de ar e espirros”. Quanto ao gás lacrimogêneo, o laudo afirmou: “O treinamento foi no centro do Exército, em área aberta. Uma bomba de gás foi atirada no centro de um círculo, e os treinados eram obrigados a permanecer em seus lugares, enquanto cantavam o Hino Nacional. Os que saíam do lugar eram hostilizados pelos instrutores. Não foram fornecidos equipamentos de proteção individual (EPIs) ou instrução sobre a maneira de neutralizar o gás dos olhos”. Ainda segundo o laudo, “a prática de flexões ocorreu a partir do curso de formação e se estendeu por 10 meses” e “consistiu em fazer exercícios, polichinelo e flexão com os braços, quantas vezes o inspetor-geral desejasse, podendo chegar a 100 vezes e 40 vezes, respectivamente; manter-se estático na posição de flexão, o que podia durar minutos; a punição era aplicada quando algum guarda estava em desacordo com o inspetor-geral (atrasado ou de boné virado) e todos os guardas pagavam pela transgressão de um funcionário”.
No segundo curso, manteve-se o pagamento de flexões e houve aplicação de gás de pimenta diretamente no rosto dos que estavam em treinamento, causando ardência, queimação e sensação de rosto inchado, sem fornecimento de EPIs nem instruções sobre a remoção do gás e minimização do contato com o produto.
O acórdão afirmou ainda que, concordando com a decisão originária, “o treinamento foi abusivo e sem cuidados com a segurança e saúde, física e mental, do reclamante”. Destacou ainda que “o empregador agiu de forma desumana e incivilizada; por isso, a condenação lhe cai bem, e o valor da indenização, R$ 15 mil, é justo, adequado”.
O colegiado lembrou que, “para zelar pela proteção dos bens e locais públicos, o guarda municipal não necessita ser submetido a gases, ainda mais sem proteção e instrução de proteção e minimização dos seus efeitos”. O acórdão ressaltou que, além desse “treinamento desnecessário e absurdo, o reclamante também esteve submetido à sanha opressora do ‘inspetor-geral’, que, inspirado em métodos de antanho, de regimes autoritários, e ultrapassado, sádico, satisfazia-se mandando todos ‘pagarem flexão’ (expressão do antigo Exército do regime autoritário) para remissão do pecado de um”.
O acórdão chamou ainda de “absurdo” isso ocorrer numa cidade civilizada, em pleno século XXI, num regime democrático. O colegiado disse ainda que a prática do instrutor da GM é “um atentado aos direitos humanos, completo desrespeito à Constituição” e que “a aplicação de gases com princípio ativo pimenta diretamente nos olhos e inalação forçada de gás lacrimogêneo podem causar sérios danos ao sistema respiratório, comprometimento ou perda da visão, desenvolvimento de neuroses”.
O colegiado concluiu recomendando aos comandantes da Guarda Municipal a leitura atenta e o aprendizado sobre a “Revolta da Chibata”, protagonizada pelo marinheiro João Cândido, eclodida em 1910 devido a castigos físicos infligidos por oficiais aos marinheiros.
Fonte: CSJT