Procura por formalização atrai cada vez mais autônomos
Mais de cinco milhões de trabalhadores informais passaram a contribuir para a Previdência Social entre 2004 e 2014, aponta a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, que faz cruzamento de dados a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). São pessoas que ficaram à margem do aumento da formalização do mercado de trabalho na última década, mas que decidiram bancar com seus próprios recursos uma maior proteção trabalhista, como a possibilidade de receber auxílio-doença, licença-maternidade e aposentadoria.
Em 2004, o número de empregados sem carteira de trabalho assinada, trabalhadores domésticos sem carteira e trabalhadores por conta própria contribuintes do INSS era de 4,605 milhões de pessoas e subiu para 9,843 milhões em 2014.
Entre os empregados sem carteira, a parcela daqueles que contribuem, em relação ao total desses trabalhadores, mais quedobrou, de 11,8% em 2004 para 24% em 2014. No grupo de trabalhadores por conta própria, a fatia passou de 14,4% para 27,7%, respectivamente. O aumento foi ainda mais expressivo entre os trabalhadores domésticos sem carteira: a proporção daqueles que contribuem passou de 3,3% em 2004 para 14% em 2014.
“Os trabalhadores informais viram, pelas experiências de outros, o que a formalidade pode trazer, como a possibilidade de recorrer a um auxílio-doença e garantir a renda numa eventualidade. Como as pessoas melhoraram de renda, o orçamento passou a ter espaço para a contribuição à Previdência”, afirma Barbara Cobo Soares, responsável pela Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE. O ritmo de alta da renda nessas três categorias de informais foi mais expressivo do que a média dos trabalhadores.
Na avaliação do professor do Instituto de Economia da UFRJ João Saboia, além do aumento da renda, o crescimento da parcela dos contribuintes também pode ser explicado pelo maior nível de informação e conscientização dos trabalhadores. O eletricista Wagner Valério Curty, de 47 anos, trabalha por conta própria há muito tempo, mas só começou a contribuir ao INSS há três anos, ao inscrever-se no Microempreendedor Individual (MEI), que reúne pagamento de impostos e contribuição previdenciária.
No começo, diz, a principal motivação foi a possibilidade de fornecer nota fiscal aos clientes, mas um acidente doméstico neste ano comprovou a importância da cobertura. “Sempre tive saúde e não me preocupava com isso. Quando levei um tombo em casa, tive que ficar imobilizado por mais de um mês. Sem a Previdência, teria ficado sem renda.”
No caso dos empregados domésticos, o aumento da contribuição teve influência da nova legislação trabalhista para a categoria. A proporção de domésticos que recolhem ao INSS subiu de 27,8% em 2004 para 40,3% em 2014. A proporção é maior entre as mensalistas, que trabalham mais de 40 horas por semana: passou de 37,4% em 2004 para 56,8% em 2014. O aumento também foi expressivo entre as diaristas, com até 39 horas de trabalho por semana, cuja taxa passou de 13,4% em 2004 para 23,2% em 2014.
Apesar do avanço na contribuição à Previdência, o gerente de Indicadores Sociais do IBGE, André Simões, destaca que a proteção previdenciária ainda é pequena. “Os dados mostram uma ampliação do acesso aos direitos, mas, ainda assim, é reduzido.”
Envelhecimento da população pode inviabilizar a previdência
Aumento da expectativa de vida faz crescer o custo de manutenção do governo com esses dependentes.
O envelhecimento da população brasileira já se reflete no aumento do número daqueles que são considerados dependentes no País. A chamada razão de dependência total – que é a relação entre as pessoas economicamente dependentes (de até 14 anos e acima de 60 anos) e as potencialmente ativas (entre 15 e 59 anos) – deve avançar de 54,7 para cada 100, em 2014, para 56,8, em 2030, e 87,6 em 2060, segundo os dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE.
Esse fenômeno é puxado pelos idosos. Enquanto a relação de crianças até 14 anos deve cair de 33,5 a cada 100 pessoas de 15 a 59 anos, em 2014, para 27,6, em 2030, e 24,4 em 2060, a relação daqueles com mais de 60 anos frente aos adultos deve triplicar, ao passar de 21,2, em 2014, para 63,2.
A questão mais preocupante, apontam especialistas, é que o gasto dos idosos – como previdência, assistência social e saúde – é maior que o de crianças – mais concentrado em educação. “O custo do idoso é duas vezes maior que o da criança. O fato de a alta da dependência vir do aumento do idoso torna mais elevado o custo de manutenção desses dependentes. Sem reforma, a Previdência vai ficar insustentável”, sentencia o professor da PUC-Rio e economista-chefe da Opus Gestão de Recursos, José Marcio Camargo.
Especialista em demografia e previdência, o professor da Ebape/FGV Kaizô Beltrão lembra que hoje a receita da Previdência Social já é menor que os gastos. “A reforma já deveria ter sido feita.” Ele destaca que a equiparação da idade de aposentadoria de homens e mulheres, a desvinculação do pagamento da aposentadoria ao salário-mínimo e o pagamento de benefício menor que o salário-mínimo para aqueles que não contribuíram para a Previdência são algumas das medidas necessárias para reduzir o déficit.
Reforma previdenciária é urgente, diz professor
Professor do Instituto de Economia da UFRJ, João Saboia exalta o aumento da contribuição à previdência dos trabalhadores informais e assim o aumento de seus direitos, mas vê com preocupação os dados sobre o avanço da proporção de idosos na população. Ele defende que a reforma da Previdência deve ser enfrentada com realismo e sem demagogia.
A Síntese mostra aumento da contribuição à previdência pelos trabalhadores informais. Qual é o significado?
João Saboia – Os números são impressionantes. Por um lado, o que se vê é que ainda tem muita gente sem contribuição à Previdência Social. Por outro, no entanto, apesar dos números pequenos, houve um crescimento expressivo dessa contribuição. E isso pode ser explicado pelo aumento da conscientização das pessoas sobre a importância da contribuição, associado ao crescimento da renda. São pessoas que ficaram à margem da formalização, mas que passaram a conquistar alguma proteção por causa da Previdência.
Como avalia o aumento da chamada relação de dependência, que é a proporção de crianças e idosos frente ao total de adultos na população?
Saboia – Esse é um dos dados que mais me preocupa. A razão de dependência está caindo por causa da redução dos jovens, mas não de idosos. A relação apenas daqueles acima dos 60 anos já está subindo e vai crescer ainda mais. E isso tem uma consequência importante para o mercado de trabalho e a Previdência. Essas são as pessoas que serão sustentadas pelos trabalhadores ativos no futuro.
Qual é a ligação entre a contribuição dos informais e a discussão sobre o problema na Previdência?
Saboia – A reforma da Previdência é importantíssima, mas é um tema difícil. No entanto, assim como os trabalhadores informais começam a se conscientizar da importância de contribuir para a Previdência Social, a sociedade tem que se conscientizar da necessidade de uma reforma da Previdência. Os números são clássicos: quem vai sustentar esses idosos?
Como fazer esse debate?
Saboia – A realidade mudou rapidamente. Nos anos 1950, a expectativa de vida era de 48 anos. Agora, 75, graças ao avanço da Medicina e do sistema público de saúde. É preciso enfrentar o debate da reforma da Previdência com realismo e sem demagogia. Não dá para enrolar mais.
O que deve estar na reforma?
Saboia – Sou favorável ao fim da diferença de idade de aposentadoria entre homens e mulheres e ao aumento da idade da aposentadoria. As mulheres vivem mais que os homens e se aposentam mais tarde. A gente não pode se dar ao luxo de se aposentar muito cedo.
Instrução cresce, mas ainda falta qualificação
Parcela de brasileiros com Ensino Superior completo avançou de 8,3%, em 2004, para 14,3% em 2014.
O grau de instrução dos trabalhadores brasileiros avançou fortemente entre 2004 e 2014, mas há quem ainda veja um perfil de mercado de trabalho com pouca qualificação. A parcela daqueles sem instrução ou com Ensino Fundamental incompleto no total da população ocupada caiu de quase metade da população (48,2%) em 2004 para um terço (32,9%) em 2014. Enquanto isso, o grupo com Ensino Médio completo subiu de 26,3% em 2004 para 35,9% em 2014.
“O nível educacional da população economicamente ativa está aumentando, mas ainda é muito atrasado. É impressionante que países com renda per capita semelhante à nossa tenham um perfil muito mais qualificado. Na Coreia do Sul, por exemplo, mais da metade da população tem Ensino Superior completo”, afirma o professor da PUC-Rio e economista-chefe da Opus Gestão de Recursos, José Marcio Camargo.
No Brasil, a parcela dos que têm pelo menos o Ensino Superior completo avançou de 8,3% em 2004 para 14,3% em 2014. Já a fatia daqueles com Ensino Fundamental completo se manteve estável, passando de 16,5% para 16,6%, respectivamente. Na avaliação de Camargo, esse perfil do mercado de trabalho compromete o crescimento da economia, a capacidade de reduzir desigualdades. E a situação se torna ainda mais grave, segundo ele, quando se discute não apenas o acesso à educação, mas sua qualidade.
Técnica do IBGE, Cristiane Soares destaca que o avanço da escolaridade dos trabalhadores ocorreu de forma diferente de acordo com a atividade econômica. “O mercado de trabalho passou a ter perfil de profissional mais qualificado, mas há uma distribuição diferente de acordo com o setor da economia. A agricultura tem a maior participação de trabalhadores sem instrução ou com fundamental incompleto, enquanto educação, saúde e serviços sociais é o único setor em que o maior grupo é daqueles com Ensino Superior completo”, diz, ao explicar que a mudança no perfil dos trabalhadores se deve à maior escolaridade da população, mas também às maiores exigências do mercado de trabalho e das novas tecnologias. Isso ocorre até mesmo no setor agrícola, em que o grupo de quem não tinha instrução caiu de 86,3%, em 2004, para 74,2% em 2014. Na indústria, a parcela de quem tem Ensino Médio completo subiu de 32,2% para 43,6%, respectivamente.
Geração ‘nem, nem’ agora corre atrás de vagas
Pela primeira vez em cinco anos, cai a proporação de jovens que não trabalham ou estudam.
Com a economia estagnada e a piora do mercado de trabalho, a proporção de jovens “nem, nem, nem” (“nem estuda, nem trabalha, nem procura emprego”) encolheu pela primeira vez em cinco anos. No ano passado, 6,8 milhões de jovens compunham o contingente de “nem, nem, nem” no País, o que representava 13,9% das pessoas de 15 a 29 anos. No ano anterior, a proporção era de 15%, ou seja, 546 mil jovens a mais nessa situação, de acordo com levantamento do IBGE. Segundo Cintia Simões Agostinho, pesquisadora do IBGE, o aumento da procura por emprego – e não o retorno ao estudo ou a conquista da vaga de trabalho – foi o responsável pela redução dos “nem, nem, nem” em 2014.
Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Política Públicas do Insper, diz que o desemprego começou a crescer no País no ano passado, e o avanço da renda perdeu fôlego (alta de apenas 0,8%, para R$ 1.774,00). “Quando a renda dos pais aperta, o jovem tem de começar a procurar emprego. Ele não consegue se sustentar mais só pela renda dos pais. Ele precisa de um emprego para compra o tênis”, diz.
Esses jovens, entretanto, encontram dificuldades para ingressar no mercado de trabalho. Primeiro, porque a oferta de vagas ficou mais escassa. Segundo, porque os “nem, nem, nem” são, na média, pouco qualificados. Um sinal disso é que mais da metade (58%) deles não tinha completado o Ensino Médio. Claudio Dedecca, professor da Unicamp, afirma que, apesar da redução, uma parcela majoritária dos “nem, nem, nem” exerce uma função na estrutura familiar que impede uma mudança.
Pelo fator sexo, 75% dos que não trabalham, não estudam nem procuram emprego eram mulheres, das quais 62% tinham filho. Dos “nem, nem, nem”, 91% se dedicavam a afazeres domésticos. “Elas cumprem esse papel porque precisam, porque não há creche ou não existe alternativa”, disse o especialista.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, essa proporção de jovens que não trabalha nem estuda cresceu em 30 de 40 países analisados de 2007 a 2012. Com a economia brasileira em recessão há três trimestres e a piora do mercado de trabalho, mais jovens têm procurado emprego neste ano. No terceiro trimestre de 2015, a taxa de desemprego chegou a 8,9% no País.
Enquanto os “nem, nem, nem” se concentram na parcela pobre da população, outro fenômeno ocorre no extremo social oposto: os “cangurus”, jovens adultos que adiam a saída da casa dos pais. Uma em cada quatro pessoas de 25 a 34 anos no País ainda moravam com os pais, segundo o IBGE. Essa proporção cresceu de 21,2%, em 2004, para 24,3% no ano passado.
Fonte: Jornal do Comércio.